segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Viajem por um Brasil desanimador

Desilusão de um simplório viajante perdido em terras assoladas por miséria e pobreza lastimante. Visão que marca qualquer um: - Justiça existe só em conto de fadas? Miséria tem causa? Por que uns comem filé enquanto outros nem osso têm para roer? Ficar em pé não é pra qualquer um


Certa vez, numa dessas minhas andanças pelo lado miserável do Vale do Jequitinhonha , deparei-me com sombrosa indagação, fidedigna de Alfred Hitchcock:
- Diga gauche, como vai essa tua doença?
Que fulgás, pensei comigo. Será pergunta besta de ser besta? Ou anedota mal resolvida?
O gauche, sem demoras retrucou: - Como está fica!
Atordoado, no sentido demagogo da palavra, questionei o transeunte:
- Como vai a doença?
Isso, respondeu o tal. O gauche, a quem declaro fortes enlaces de amizade, com verdadeira tara de expressão, é o ser mais adoentado das bandas do lado de cá.
Pasmei com tal disparate.
Como pode o homem, carne, osso, fibra, ser desencorajado em vida a ansiar a morte que lhe aguarda?
Virei-me para partida como um cego cético e veloz.

Eis que no meio do trajeto do regresso vejo o frouxo caindo a sucumbir na minha frente.
Desespero ou curiosidade? Não sei qual foi o motivo. Mas não passara nem uns minutos e lá estava eu, primeiro a velar o presunto a quem nem o nome sabia.

Se era político, artista, travesti ou diplomata, nunca hei de saber. Mas não passou de um cara. E, naquele momento, descobri que ele não tinha corpo, papel nem persona. Era um cadáver insólito já sem sonhos e presságios. Um Zé Ninguém que desfaleceu. Sua doença, acredito, era a sociedade. Viver num mundo que menospreza a coragem e impõe quem deve ser o que.

O enterro foi às cinco . Eu sentia que deveria ir me embora, mais que depressa, daquele lugar. Mas não antes de fazer amizade com o tal transeunte. Vai saber. Com uma língua daquela ele podia indagar-me o que quisesse.

Apesar do terno com linhas bem finas e definidas, e do sapato mais lustrado que já vi em toda a minha vida, ele me atendeu muito bem. Apertou com convicção de “vencedor” minha mão, serviu café com bolachinhas e até de “amigo” me chamou. Depois de alguns minutos de conversa veio com um papo de titulo de eleitor, votação e credibilidade. Quando notou que nem da cidade eu era quase me fez pagar os biscoitos que eu havia comido.

Nunca mais esqueci do caso. Nem de uma lição: - A mesma fala usada para falsas promessas de um mundo melhor , também serve pra derrubar o irmão, adoecer o espírito e latifúndiar as esperanças de viver.

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